quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Eco-chata fundamentalista, ser ou não ser...



[...] ela me disse que tinha uma idéia equivocada sobre os orgânicos, de que eram feios, ruins, e acabou não apenas descobrindo que eles são extremamente saborosos, como redescobrindo gostos provados apenas na sua infância. Ela se ilumina, por exemplo, ao falar da batata...  



Há duas ou três semanas estava na Livraria Cultura assistindo a uma palestra sobre pães, da série “Entre Estantes & Panelas – a Gastronomia de Pensar”, sob curadoria de Alex Atala e Carlos Alberto Dória; todos os quatro padeiros-palestrantes, inclusive o proprietário da PAO (Padaria Artesanal Orgânica), discursaram sobre as dificuldades de se produzir um pão de qualidade, pois se procuram por uma farinha melhor, o produto final consequentemente tem seu preço alterado, e obviamente, é melhor. Em um dado momento Alex Atala pediu a palavra para questioná-los sobre o porquê dessa reticência ao se gastar mais com um pão de ótima qualidade, de fermentação longa, se hoje já se admite fazer isso com queijos e vinhos, por exemplo. Para mim, esse questionamento foi um soco no estômago...

Acho que essa é a questão central; convencer as pessoas de que o alimento é algo a se investir; afinal de contas existem pães como os franceses da padaria, produzidos com aditivos, melhoradores, vitaminas e margarina; e Pães, com farinha, fermento, sal e muito tempo de dedicação... Eles não são iguais, então porque não investir na qualidade? Falta de dinheiro poderia e pode ser um ponto crucial para muitas pessoas, mas não para todas; senão vejamos, a maior parte das mulheres de classe média não se importa em gastar R$300,00 para comprar uma bolsa, ou R$100,00 para uma blusa, mas acha um absurdo gastar R$10,00 com ovos orgânicos. Nesse sentido, - e confesso que tenho me policiado tanto ao escrever no blog como nas conversas com amigos -, entendi que não podemos parecer “eco-chatos”, para tentar argumentar sobre esses fatos, mas sim pessoas tranqüilas, que mostram o lado bom da coisa, sem julgar nem colocar ninguém contra a parede. Até porque, as pessoas só fazem algo quando realmente acreditam, e para tanto precisam de informação e tempo para processá-la...

Outro exemplo, que além de elucidativo me desopila um pouco o fígado, é de uma amiga  minha, felizmente muito bem de vida, que ao me ouvir indicar a utilização de sacos plásticos biodegradáveis para uma pessoa, neneou com a cabeça e disse que esses sacos eram muito caros e que preferia usar os do supermercado, que eram “de graça”. Observe o absurdo dessa explanação; ela anda em um dos carros mais caros do mercado, gasta horrores em combustível, e acha um absurdo gastar R$10,00 em um pacote com um rolo de sacos biodegradáveis. Nesses momentos eu respiro fundo e me acalmo, pois sei que não sou a palmatória do mundo, tampouco ela falou por mal, é apenas o que realmente lhe parece! Quando vejo esse tipo de acontecimento percebo que de nada adianta ver uma pessoa comendo uma barrinha de cereal e falar para ela que aquilo não é comida - apesar de ser discípula do Pollan e concordar plenamente com esse argumento -, mas percebi que isso não irá atingir grande parte das pessoas... Por isso, tenho mudado a minha abordagem, tenho sido positiva, falado bem dos orgânicos e dos alimentos verdadeiros, mostrado como é possível se organizar, incluir determinadas rotinas na cozinha para se ter uma alimentação mais saborosa. Estou tentando incluir o termo "orgânico" nas postagens sem aparentar ser "eco-chata" fundamentalista, pois isso assusta as pessoas, e tenho recebido um retorno surpreendente! As pessoas tem gostado, falado que nunca tinham pensado em aproveitar o alimento como um todo; no post do iogurte, por exemplo, muitos me disseram que nunca tinham lido os seus ingredientes, tampouco imaginado a idéia de prepará-lo em casa.

Por fim, aos louros... Duas pessoas na minha família aderiram aos orgânicos; cada uma a seu tempo, e por motivos diversos. Em uma conversa na linda cozinha gourmet da casa minha tia MR., que é súper preocupada com a saúde, perguntei a ela se já havia lido os ingredientes do seu leite “de caixinha”, e ela ficou assustada ao fazê-lo... Desde então começou a comprar orgânicos, sempre que possível,  e preparar determinadas coisas em casa, evitando industrializados. Reeducar uma sociedade tão acostumada com alimentos plásticos, que cresceu aprendendo que isso era o melhor, é realmente um trabalho de formiguinha, mas quando acontece é tão reconfortante como ver uma nova flor desabrochar. Com a minha mãe o processo foi diferente; há algum tempo vinha tentando falar com ela sobre o consumo excessivo de carne, o tratamento terrível despendido às galinhas e os venenos nas frutas e verduras, mas ela, na sua doce ingenuidade, literalmente tapava os ouvidos com as palmas das mãos, e preferia ficar na ignorância a acreditar que o presunto vem de um porquinho cor-de-rosa, que é criado, muitas vezes, em condições inimagináveis... Entendam, não odeio as pessoas que comem carne, e já expliquei isso aqui e aqui; até porque, eu também como carne, mas não acho que você tenha de fazer isso em todas as refeições, todos os dias, de forma descontrolada! Aparte à parte, voltando a minha mãe, lembro-me que certa vez, valendo-me de uma abordagem mais positiva,  contei sobre um caminhão que transportava porcos, na Itália, de forma absolutamente digna, e  ainda assim levei um pito daqueles; a verdade nunca é fácil, e quando se trata de comida e seres vivos, então... Mas eu não desisti, continuei falando, informando, não da forma brusca e incisiva que erroneamente fiz da primeira vez, mas com doçura, mostrando a mudança de hábitos não como única saída, o que gera desespero e angústia, mas como uma outra via também possível. Hoje perguntei a ela sobre os motivos de ter aderido às cestas orgânicas, e ela me disse que tinha uma idéia equivocada sobre os orgânicos, de que eram feios, ruins, e acabou não apenas descobrindo que eles são extremamente saborosos, como redescobrindo gostos provados apenas na sua infância. Ela se ilumina, por exemplo, ao falar da batata...


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