Coincidências à parte, mas após indicar esse restaurante a uma amiga e ler uma crônica do Vinicius de Moraes que citava o dito cujo (abaixo), não resisti em postar as fotos do maravilhoso almoço no Il Vero Fettuccinne Alfredo, em Roma. O lugar é incrível e a massa une manteiga e queijo em proporções divinas; apenas sente-se e deleite-se observando o Marco finalizar o prato na sua frente, com a habilidade de quem faz isso há anos, e o sorrizo de quem renova seus votos todos os dias. Ah, não vá embora sem provar o profiterole alla panna... Mamma mia!!!
Il Vero Fettuccine Alfredo
Piazza Augusto Imperatore, 30 - Roma
O delírio do óbvio
Conheci-a num coquetel no seu apartamento em Roma: uma mulherzinha intensa, minúscula, arredondada. Pensei imediatamente em dar-lhe um lugar de destaque na coleção de gnomos humanos de jardim, que venho selecionando há um ano e já vai bem adiantada. Devia andar pelos 45, mas 45 bem cuidados, a julgar pelo fundo da pele, pelo dorso das mãos e pelo colo almofadado, dando apenas a entender. Um colo arfante, naturalmente.
Olhou-me com olhos úmidos e sua boca rasgada abriu um sorriso à anúncio. O tom com que me falou foi de um recolhimento quase religioso :
– Ah, é o poeta
Fiquei com vontade de engrossar de saída e responder: "Não, é o cobrador da Light…", mas me contive. Ela suspirou fundo – coisa que, aliás, deveria fazer num crescendo assustador – e sem mudar de tom, mas endurecendo ligeiramente as pupilas, voltou– se para minha mulher :
– Que coisa divina ser a companheira de um poeta, a sua musa inspiradora! E que responsabilidade... Porque os poetas, em geral, são pródigos de amor: não é, poeta?
Quis reagir, mas inutilmente. Sorrimos aquele sorriso, e enquanto minha mulher fingia procurar qualquer coisa na bolsa, eu balbuciei um "É…" que merecia ser gravado, pois jamais ouvi nada tão alvar. Ela acertou o vestido nas ancas, num gesto muito característico das mulheres que ainda não desistiram de todo, e aproximando o rosto do meu, segredou-me conivente:
– Aposto que já fez sofrer muitos corações femininos...
Assumi, sem saber bem o que dizer, um ar modesto de "mais ou menos", e já meio baratinado pela ação irradiante de tanto óbvio, respondi sem tirar nem pôr o que aqui vai:
-Qual nada ... A senhora está exagerando... São seus bons olhos... Eu até não sou disso ...
Ela fixou-me ardentemente, numa expressão só-eu-sou-capaz-de-compreender– a-alma-dos– poetas e logo, desviando o olhar do meu para ir perdê-lo na distância, arrematou:
– Dizer que os cientistas estudaram tanto para enviar ao espaço os cosmonautas... E estas mãos (ela tomou-me uma com infinita delicadeza) num simples dedilhar de algumas cordas, nos transportam logo ao céu!
Fiquei com vontade de protestar, de dizer-lhe que estava havendo um erro de pessoa, que ela queria provavelmente se referir a Baden ou Bonfá; mas ela num súbito arroubo que conseguiu elevar-lhe a estatura de dois centímetros, dirigiu-se a minha mulher não sem uma ameaça velada na voz:
– Você sabe a responsabilidade que tem, menina? ser a companheira de um poeta, de um compositor? Você sabe que ele não se pertence, é um patrimônio de todos nós? Você sabe o que é ser musa de um poeta?
Minha mulher, que é muito mais Manuel Bandeira, e tal já me fez ver, chegou a olhar-me com uma certa surpresa enquanto eu, no auge da covardia, procurava abrandar a sagrada cólera da Begum do Lugar-Comum, como a passamos a chamar depois:
– Ela é boazinha, ouviu...
E sem saber mais o que fazer, ofereci-lhe um cigarro, que ela declinou com seca compunção:
– O poeta vai me perdoar, mas uma mulher (e fuzilou a minha com os olhos) deve ter na boca um gosto de amor e não de fumo...
– Falou pouco, mas bem...
Era a rendição. Ela sorriu deliciada:
– Ah! poeta... As mulheres como eu só falam a linguagem do coração...
Na despedida tomou-me familiarmente o braço até a porta, sem dar a menor importância à "minha musa".
– Agora que já sabe o caminho, volte sempre. O ninho é pequeno mas o afeto é grande. Eu serei sempre... toda ouvidos...
A porta fechada, descendo as escadas para a rua, eu me surpreendi com horror dizendo à minha "companheira`.
– Que tal se fôssemos ao Alfredo, comer um fettuccini al triplo burro?
Olhou-me com olhos úmidos e sua boca rasgada abriu um sorriso à anúncio. O tom com que me falou foi de um recolhimento quase religioso :
– Ah, é o poeta
Fiquei com vontade de engrossar de saída e responder: "Não, é o cobrador da Light…", mas me contive. Ela suspirou fundo – coisa que, aliás, deveria fazer num crescendo assustador – e sem mudar de tom, mas endurecendo ligeiramente as pupilas, voltou– se para minha mulher :
– Que coisa divina ser a companheira de um poeta, a sua musa inspiradora! E que responsabilidade... Porque os poetas, em geral, são pródigos de amor: não é, poeta?
Quis reagir, mas inutilmente. Sorrimos aquele sorriso, e enquanto minha mulher fingia procurar qualquer coisa na bolsa, eu balbuciei um "É…" que merecia ser gravado, pois jamais ouvi nada tão alvar. Ela acertou o vestido nas ancas, num gesto muito característico das mulheres que ainda não desistiram de todo, e aproximando o rosto do meu, segredou-me conivente:
– Aposto que já fez sofrer muitos corações femininos...
Assumi, sem saber bem o que dizer, um ar modesto de "mais ou menos", e já meio baratinado pela ação irradiante de tanto óbvio, respondi sem tirar nem pôr o que aqui vai:
-Qual nada ... A senhora está exagerando... São seus bons olhos... Eu até não sou disso ...
Ela fixou-me ardentemente, numa expressão só-eu-sou-capaz-de-compreender– a-alma-dos– poetas e logo, desviando o olhar do meu para ir perdê-lo na distância, arrematou:
– Dizer que os cientistas estudaram tanto para enviar ao espaço os cosmonautas... E estas mãos (ela tomou-me uma com infinita delicadeza) num simples dedilhar de algumas cordas, nos transportam logo ao céu!
Fiquei com vontade de protestar, de dizer-lhe que estava havendo um erro de pessoa, que ela queria provavelmente se referir a Baden ou Bonfá; mas ela num súbito arroubo que conseguiu elevar-lhe a estatura de dois centímetros, dirigiu-se a minha mulher não sem uma ameaça velada na voz:
– Você sabe a responsabilidade que tem, menina? ser a companheira de um poeta, de um compositor? Você sabe que ele não se pertence, é um patrimônio de todos nós? Você sabe o que é ser musa de um poeta?
Minha mulher, que é muito mais Manuel Bandeira, e tal já me fez ver, chegou a olhar-me com uma certa surpresa enquanto eu, no auge da covardia, procurava abrandar a sagrada cólera da Begum do Lugar-Comum, como a passamos a chamar depois:
– Ela é boazinha, ouviu...
E sem saber mais o que fazer, ofereci-lhe um cigarro, que ela declinou com seca compunção:
– O poeta vai me perdoar, mas uma mulher (e fuzilou a minha com os olhos) deve ter na boca um gosto de amor e não de fumo...
– Falou pouco, mas bem...
Era a rendição. Ela sorriu deliciada:
– Ah! poeta... As mulheres como eu só falam a linguagem do coração...
Na despedida tomou-me familiarmente o braço até a porta, sem dar a menor importância à "minha musa".
– Agora que já sabe o caminho, volte sempre. O ninho é pequeno mas o afeto é grande. Eu serei sempre... toda ouvidos...
A porta fechada, descendo as escadas para a rua, eu me surpreendi com horror dizendo à minha "companheira`.
– Que tal se fôssemos ao Alfredo, comer um fettuccini al triplo burro?
Amei sua página...tudo muito gostoso...e suas palavras contribuem muito!!!! adoreiiiiiiii...adorei mais ainda ter ido ao Vero Alfredo...que fettuccinne maravilhoso!! Ir a Itália e nao seguir suas instruções seria um pecado!!!!
ResponderExcluirbjssssss