quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Fettuccine Alfredo


Coincidências à parte, mas após indicar esse restaurante a uma amiga e ler uma crônica do Vinicius de Moraes que citava o dito cujo (abaixo), não resisti em postar as fotos do  maravilhoso almoço no Il Vero Fettuccinne Alfredo, em Roma. O lugar é incrível e a massa une manteiga e queijo em proporções divinas; apenas sente-se e deleite-se observando o  Marco finalizar o prato na sua frente, com a habilidade de quem faz isso há anos, e o sorrizo de quem renova seus votos todos os dias. Ah, não vá embora sem provar o profiterole alla panna... Mamma mia!!!

 
 
 
 

Il Vero Fettuccine Alfredo
Piazza Augusto Imperatore, 30 - Roma


O delírio do óbvio

Conheci-a num coquetel no seu apartamento em Roma: uma mulherzinha intensa, minúscula, arredondada. Pensei imediatamente em dar-lhe um lugar de destaque na coleção de gnomos humanos de jardim, que venho selecionando há um ano e já vai bem adiantada. Devia andar pelos 45, mas 45 bem cuidados, a julgar pelo fundo da pele, pelo dorso das mãos e pelo colo almofadado, dando apenas a entender. Um colo arfante, naturalmente.
Olhou-me com olhos úmidos e sua boca rasgada abriu um sorriso à anúncio. O tom com que me falou foi de um recolhimento quase religioso :
– Ah, é o poeta
Fiquei com vontade de engrossar de saída e responder: "Não, é o cobrador da Light…", mas me contive. Ela suspirou fundo – coisa que, aliás, deveria fazer num crescendo assustador – e sem mudar de tom, mas endurecendo ligeiramente as pupilas, voltou– se para minha mulher :
– Que coisa divina ser a companheira de um poeta, a sua musa inspiradora! E que responsabilidade... Porque os poetas, em geral, são pródigos de amor: não é, poeta?
Quis reagir, mas inutilmente. Sorrimos aquele sorriso, e enquanto minha mulher fingia procurar qualquer coisa na bolsa, eu balbuciei um "É…" que merecia ser gravado, pois jamais ouvi nada tão alvar. Ela acertou o vestido nas ancas, num gesto muito característico das mulheres que ainda não desistiram de todo, e aproximando o rosto do meu, segredou-me conivente:
– Aposto que já fez sofrer muitos corações femininos...
Assumi, sem saber bem o que dizer, um ar modesto de "mais ou menos", e já meio baratinado pela ação irradiante de tanto óbvio, respondi sem tirar nem pôr o que aqui vai:
-Qual nada ... A senhora está exagerando... São seus bons olhos... Eu até não sou disso ...
Ela fixou-me ardentemente, numa expressão só-eu-sou-capaz-de-compreender– a-alma-dos– poetas e logo, desviando o olhar do meu para ir perdê-lo na distância, arrematou:
– Dizer que os cientistas estudaram tanto para enviar ao espaço os cosmonautas... E estas mãos (ela tomou-me uma com infinita delicadeza) num simples dedilhar de algumas cordas, nos transportam logo ao céu!
Fiquei com vontade de protestar, de dizer-lhe que estava havendo um erro de pessoa, que ela queria provavelmente se referir a Baden ou Bonfá; mas ela num súbito arroubo que conseguiu elevar-lhe a estatura de dois centímetros, dirigiu-se a minha mulher não sem uma ameaça velada na voz:
– Você sabe a responsabilidade que tem, menina? ser a companheira de um poeta, de um compositor? Você sabe que ele não se pertence, é um patrimônio de todos nós? Você sabe o que é ser musa de um poeta?
Minha mulher, que é muito mais Manuel Bandeira, e tal já me fez ver, chegou a olhar-me com uma certa surpresa enquanto eu, no auge da covardia, procurava abrandar a sagrada cólera da Begum do Lugar-Comum, como a passamos a chamar depois:
– Ela é boazinha, ouviu...
E sem saber mais o que fazer, ofereci-lhe um cigarro, que ela declinou com seca compunção:
– O poeta vai me perdoar, mas uma mulher (e fuzilou a minha com os olhos) deve ter na boca um gosto de amor e não de fumo...
– Falou pouco, mas bem...
Era a rendição. Ela sorriu deliciada:
– Ah! poeta... As mulheres como eu só falam a linguagem do coração...
Na despedida tomou-me familiarmente o braço até a porta, sem dar a menor importância à "minha musa".
– Agora que já sabe o caminho, volte sempre. O ninho é pequeno mas o afeto é grande. Eu serei sempre... toda ouvidos...
A porta fechada, descendo as escadas para a rua, eu me surpreendi com horror dizendo à minha "companheira`.
– Que tal se fôssemos ao Alfredo, comer um fettuccini al triplo burro?

 

Um comentário:

  1. Amei sua página...tudo muito gostoso...e suas palavras contribuem muito!!!! adoreiiiiiiii...adorei mais ainda ter ido ao Vero Alfredo...que fettuccinne maravilhoso!! Ir a Itália e nao seguir suas instruções seria um pecado!!!!
    bjssssss

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