sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Memória gustativa e as razões pelas quais comemos...

Fiquei muito tocada com um texto publicado em 5 de setembro,  no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo, que traz uma entrevista com Roger Ebert, renomado crítico de cinema, ganhador de um prêmio Pulitzer e autor de um livro de receitas - pasmem -, mesmo sem poder se alimentar por via oral há mais de quatro anos, por decorrência de um câncer que lhe tomou o maxilar.

Por mais estranho que possa parecer, e a repórter relata como se sentiu ao sentar à mesa de um restaurante ao lado de uma pessoa que não pode comer, descreve como se retraiu ao ouvir a garçonete oferecer-lhe o cardápio e perguntar o que gostaria de beber, e suas tentativas de evitar olhar para o lugar onde deveria haver um maxilar... Ele também não pode falar, mas se comunica com gestos, olhares e rabiscos, e conta com a  ajuda de sua esposa;  quando a repórter percebe, já está totalmente relaxada e se vê perguntando ao escritor "até que ponto você sente falta de comer?".

Ele explica, em resposta à referida pergunta, que nas primeiras semanas após a cirurgia no maxilar não conseguia pensar em outra coisa senão root beer, bebida feita a base de raízes, e que depois veio a fixação por doces. Sonhava acordado que estava na sua lanchonete favorita, aquela de sua infância, que fica na mente e persiste durante toda a vida; ele podia sentir as sensações trazidas pela comida, bocada a bocada. Ressalta que isso não ocorre com todas as refeições que comeu na vida, e remete tal lucidez ao fato de que isso "não envolve gosto, mas a convicção profundamente arraigada de que um alimento é absolutamente bom e sempre será". Realmente, todos temos a nossa convicção gustativa, seja o arroz e feijão, o bolo de fubá ou a macarronada da nonna; tente fechar os olhos e abocanhar um desses... Posso sentir o frescor  e o aroma de coco ao abocanhar uma enorme colher do manjar da minha avó...

Sobre o livro de receitas, esclarece que possui uma "memória gastronômica voluptuosa", que se recorda do sabor e do cheiro de tudo, apesar de não mais poder senti-los.

Por fim, ressalta que comer é apenas um acessório e nos faz refletir ao dizer que mais do que a comida propriamente dita, sente falta das "piadas, fofocas, dos risos, das discussões e das memórias compartilhadas" à mesa. Segundo Dorothy O'Brien, editora do livro, este não trata apenas de simples receitas,"é mais sobre sua filosofia da comida, das razões pelas quais comemos".

Nunca é tarde para começarmos a dar valor às pequenas grandes coisas da vida...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails