Irmão querido,
quando você ler isso, daqui a alguns anos, saiba que fiz esse brownie para que seu paladar crie um paradigma; harmonizei, cuidadosamente, gramas de chocolate ao leite com o mais puro cacau belga, alcançando um resultado equilibrado; não totalmente austero, pois você ainda é um menino, tampouco doce e superficial.
Nos imagino em um inverno futuro, não tão distante, lendo esse bilhete e rindo muito, ao lado da Luciana – chame-a de Lucia! – e sob os olhos orgulhosos e marejados do nosso velho pai.
Beijos da sua irmã mais velha,
Sabrina.
Tenho um irmão 25 anos mais novo do que eu; sou 25 anos mais velha do que meu irmão. Parece ridículo, mas a primeira assertiva me faz sentir adulta e corresponsável na sua criação; a segunda, por sua vez, me deprime e me deixa cheia de dúvidas... Serei eu uma boa irmã, nessas condições? Ou pior; serei uma irmã???
Até exatos três anos atrás era apenas a Luciana e eu, filhas dos mesmos pais e com apenas quatro anos de diferença. Ser irmã mais velha, nessas condições sempre me pareceu o ideal; brigávamos e brincávamos ainda mais, mas eu sempre mantinha um forte sentimento de responsabilidade, assim como a necessidade de ser um bom exemplo, e o exagerado carinho protetor, que por tantas vezes confundiu o papel de irmã com o de mãe.
Ser irmã da Luciana, hoje, com meus 27 anos, não me parece nenhum desafio, pelo contrário; com o passar do tempo estamos cada vez mais próximas. As conversas pularam de Barbies para temas muito mais profundos ou picantes, apesar de ainda acontecerem no quarto ou no banheiro, enquanto uma se veste e dá opinião sobre a roupa que será usada, ou a outra toma banho e a uma fica sentada sobre o tampo da privada, abraçando as pernas e apoiando a lateral do rosto sobre o joelho. Ela sabe que eu a amo e eu sei que ela me ama; uma sabe que pode contar com a outra; fazemos planos para o futuro e imaginamos nossos filhos brincando juntos.
O posto de irmã nunca me gerou questionamentos como os de agora; apesar de não ter sido fácil, essa relação profunda decorreu naturalmente, não apenas pela obvia genética em comum, mas pela convivência diária, imposta à maioria dos irmãos. Por isso me questiono se é possível ter 25 anos a mais do que uma pessoa e manter com ela uma relação fraternal baseada, inicialmente, apenas no fato de termos o mesmo genitor? Seja pelo patente fenótipo ou pelo forte gênio espanhol, carregamos um pedacinho do nosso pai, dos nossos avós, e isso nunca poderá ser apagado; mas será possível desenvolver uma relação fraternal como a que conheço como tal? Tudo bem se for diferente? E se eu gostar mais de um do que do outro? Será que a Luciana terá ciúmes da minha relação com ele, ou vice e versa? Ele sentirá inveja dos anos a mais que passei com o nosso pai e do fato de nunca ter conhecido nossos amorosos avós; ou eu nunca superarei a sua infância com um pai muito mais calmo e presente?
Quando se tem apenas um irmão é reconfortante pensar que o pai gosta mais de um e a mãe gosta mais do outro, mas e agora? Por mais que se tente evoluir e refletir sobre amizade e afinidade, o maldito amor possessivo, aquele suspiro, aquela emoção com direito a nó na garganta que se sente quando os seus olhos se encontram com os da pessoa que você ama tanto, que quer apenas voltar a ser uma menina para poder correr e ser abraçada, naqueles instantes em que nada mais importa; esse não é fácil de ser administrado.
Provavelmente por ter tantas coisas mal resolvidas eu me sinta tão pequena ao tratar desse assunto; parece ridículo uma mulher casada olhar para uma criança de três anos e sentir ciúmes porque ela está no colo do SEU pai, mas quando vejo a outra irmã na mesma situação, aquela rata, ex-dentuça, com a qual convivo há 23 anos, e da qual também sinto ciúmes, fico aliviada, pois sei que tudo está caminhando na mais perfeita normalidade de uma família.
No final das contas, assim como terei de aprender a ser irmã de um menino muitos anos mais novo do que eu, ele também terá de entender tantas coisas estranhas, mas talvez com o tempo consigamos formar um trio engraçado. Talvez ele me chame de velha e eu lhe dê um "pedala" ou um beliscão; pode ser que meu telefone toque de madrugada e eu tenha de ir ao hospital resgatar alguém que brigou na balada por causa de uma menina, mas que não quer ligar para casa àquela hora e contar que levou três pontos na sobrancelha ou que esta com um olho roxo. Pode ser que ele ocupe a função de paradigma adolescente para seus sobrinhos. Pode ser...
Apesar de tantas indagações, sempre que estou com o Pedro sinto um sentimento interessante; me aproximo dele como um adulto que não está acostumado com crianças, observo sua incrível evolução física, o acho bonito, quero passar a mão no seu brilhante cabelo castanho claro, saber sobre sua evolução na escola e observá-lo brincar no seu lindo quarto, mas, de repente, quando ele me dá um tapa e eu o repreendo com o dedo em riste, na tentativa de educá-lo; ou quando ele não responde a algo que pergunto e em uma atitude totalmente madura faço careta e lhe mostro a língua como uma resposta natural e absolutamente instintiva, relaxo, suspiro e concluo que, de fato, somos irmãos.
Melhor? Pior? Apenas diferente...
Não preciso nem dizer que li este texto chorando né? Beijos da sua irmã, agora do meio
ResponderExcluir