O que eu daria para te receber em casa vestida como uma cortesã, bem humorada e saliente; na mesa, um banquete, com direito a batatas em várias versões, queijos, pães, azeites, ervas, frutas, bolos e um incrível café, feito com grãos recém moídos. No ar, as notas do meu perfume se misturariam às daquele incenso que você adora, formando uma terceira fragrância, abaunilhada e com notas de jasmim, ao som de Orfeu da Conceição. Abriria aquela garrafa de vinho, que espera ansiosa no fundo da adega, e terminaria essa noite de orgias com um beijo que o fizesse dormir por muitas noites, apenas para poupá-lo da inevitável dor que está por vir frente às fatídicas datas "comemorativas" deste mês.
Outro beijo lhe daria, satisfeita da heroica travessura, quando soubesse que, entediado e sem sucesso, partiu o enorme vazio que suga suas forças e se alimenta dos nossos pequenos momentos de alegria, deixando como farelos um rastro de culpa, dor e arrependimento, pelo que não foi dito ou feito.
Cheguei a pensar em fingir que nada está acontecendo e continuar no papel de esposa modelo, alheia às agruras que rondam sua cozinha, ocupando-se, apenas, com o que fará para o jantar e o que estará - ou não - vestindo; mas não consigo... Assim como sei que ninguém, a não ser você mesmo, pode aprender a conviver com esse vampiro, não posso, nem tenho o direito de lhe poupar da sua vida, com as agruras que lhe cabem e o fazem ser quem é. Também eu tenho as minhas, como você bem sabe, e se hoje posso dizer que somos velhas companheiras, é porque chamei-as para tomar banho, andar no parque e cozinhar comigo; quando não, para se sentarem à mesa e jantarem conosco. Cheguei ao ponto de construir um altar para uma delas! Inoportunas e impertinentes, muitas vezes estiveram presente quando ninguém mais ousaria, mas essa convivência me fortaleceu e me fez olhar para elas com intimidade, não intimidação. Pouco a pouco, como quem faz graça, a maior e mais antiga delas não para de falar em tirar longas férias, com o ferino sorriso que mescla saudades e ciúmes, de quem sabe perder o trono, mas nunca a majestade, pois ela sempre fará parte de mim. O que ela "não sabe e nem sequer pressente" é que acabou mudando de lado; força, superação e serenidade vão tomando o lugar da dor, principalmente quando temos planos e pessoas pelas quais querer seguir em frente.
Com as minhas perdas, Sabrina, eu vou descobrindo que a gente acaba aprendendo a conviver com essas companhias todas...o que, nos nossos livros de adolescência, parecia apenas destinado a quem não tinha sido legal, bom...as heroínas, as estrelas, saíam impunes, eram poupadas desta convivência...
ResponderExcluirAí, a gente vê que, ei! a gente tenta agir sempre com justiça, lealdade, amor...a gente é do bem, e, mesmo assim, a dor acontece...
Mas, toda essa presença e esse caminhar, acaba tornando o azul, ainda mais azul; a calma e a alegria, ainda mais consistentes. E, no final das contas, penso, ainda bem que a gente tem de quem sentir saudade. Um beijo.